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Viajei à Índia pela primeira vez seduzida pela possibilidade de conhecer Bhagawan Sri Satya Sai Baba e experimentar viver por 45 dias em seu Ashram no sul da Índia, na vila de Putaparthi. Era 1993 o ano que comecei uma série de viagens àquele país. Era uma outra Índia, um outro momento, especial como todos são.

A espiritualidade sempre foi um tema central na minha vida. Já havia conhecido e experimentado de perto inúmeras linhas de pensamento espiritual e religioso. Desde muito pequena me sentia atraída pelo significado oculto e real de todas as coisas. Meus interesses e curiosidades nunca foram os mesmos dos que viviam em meu entorno, sempre queria saber mais e minhas perguntas raramente tinham respostas. Entrei em contato com o yoga nos meus 17 anos sob a influência de meus pais. Foi muito natural para mim me apaixonar pelo yoga, pelos asanas, pelos períodos de introspecção, pela longa trança de Maria, a esposa do Prof. Hermógenes, um dis introdutores do yoga no Brasil. Meu primeiro professor foi um ex-padre que havia escolhido fazer do yoga, sua jornada espiritual. Olhar para o yoga e para a dança como exercício espiritual ainda era uma novidade para mim. Tudo é um processo e as coisas tem seu próprio tempo para encontrar seu melhor caminho. Estava no yoga e sentia falta do movimento, estava nas aulas de dança e sentia falta da conexão que o yoga despertava em mim. Quando essas duas coisas se encaixariam? Foi com esse questionamento interno que cheguei na Índia.

Aquele havia sido um ano um tanto desafiador e estava em constante conflito. Não conseguia me decidir se deveria dar continuidade na minha experiência na dança ou se seria melhor mudar a rota. Não mais sentia o mesmo entusiasmo pelo rigor técnico e disciplinar do balé, uma linguagem que explorava apenas os limites de meu corpo físico. Deveria haver algo mais, um passo adiante, que significasse a possibilidade de um mergulho mais significativo em mim mesma como um ser completo.

Nunca me senti tão acolhida e pertencente àquele Ashram da vila de Putaparthi no sul do estado de Andhra Pradesh. Prashanti Nilayam, a Morada da eterna Paz, é um ashram magnífico e minha primeira experiência lá não poderia ser diferente. Estar próxima à presença física de Swami era uma grande benção que culminou numa entrevista particular com Swami. Não é qualquer coisa estar na presença de um Avatar. Mas essa é uma outra e muito especial história que um dia vou contar. Parecia que já havia estado por um tempo neste lugar e foi no auditório de Purnachandra, logo após um discurso de Swami, que assisti a uma apresentação de dança Kuchipudi. Kuchipudi é um dos estilos clássicos de dança daquele estado. Observar a apresentação daqueles jovens dançarinos me fez entender que yoga e dança não são universos distintos, ali eles estavam, harmoniosamente integrados. Por meio da ação coreografada, a devoção garantia reviver e revisitar as histórias de seus deuses e tradições filosóficas e religiosas. Não só os jovens encontravam-se mergulhados na experiência, assim como também a audiência que extasiada saboreava as mesmas histórias que conhecem há centenas de anos, mas que naquele momento eram vividas como uma experiência “única”.

Não havia nenhum professor de dança clássica em toda Putaparthi. Retornei ao Brasil querendo voltar à Índia. Alguma coisa havia mudado profundamente em mim. Experienciar um Ashram me fez entender que viver e realizar uma vida em comunhão com o divino, é algo muito natural e que essa é a nossa real natureza. Cada aprendizado, cada exercício de escuta, de observação e ensinamentos recebidos, me ajudou a compreender um pouco mais da cultura e de seus valores. Me deparar com uma ferramenta promissora como a dança indiana, para um sem fim de possibilidades e descobertas, não poderia representar melhor recomeço para mim.

Alguns meses depois encontrei uma pessoa que havia retornado da Índia e me contou que havia uma comunidade no sul com Gurukulas de dança, entre eles um de Odissi. Saber da existência de um Gurukula de Odissi era algo surpreendente visto que essa arte era ainda muito pouco conhecida fora de Orissa, seu estado de origem. Vale dizer que até hoje, esse é o primeiro e único Gurukula de Odissi em toda a Índia. Quem me deu a boa notícia também me desencorajou em entrar em contato, pois a comunidade não aceitava estrangeiros. Desapontada sim, mas não me dei por convencida e assim com o coração pulsando descompassadamente acreditei que meu caso poderia ser uma exceção. Escrevi uma longa carta de apresentação para pedir meu ingresso como estudante. Ali coloquei minha formação em dança e yoga, minha experiência como bailarina e dados de minha atuação em grupo profissional. Algumas informações de minha vida pessoal, 31 anos de idade, mãe de um menino de 12 anos, casada. Enviei a carta e aguardei.

Naquele tempo cartas do Brasil para a Índia levavam de 20 dias a 1 mês para chegar em seu destino. Calculei o tempo de ida, de retorno e do tempo ‘indiano’ para analisar minha solicitação. Cuidei de todos os detalhes e preparativos de meu retorno. Dessa vez considerei informar meus pais, uma vez que só souberam de minha primeira viagem quando retornei dela. Eu sabia que enfrentaria muitas objeções por parte deles, então resolvi não especificar que aquele retiro seria na “Índia”. Confiante que tudo daria certo comprei minha passagem e o dia do embarque chegou e a carta não. Embarquei assim mesmo.

Uma vez em Bangalore me dirige ao Ashram de Putaparthi para alinhar o meu propósito. De volta a Bangalore viajei para o distrito rural de Hessaragatha, há 27 km de Bangalore e finalmente cheguei no Nrityagram – The Dance Village. Bati na porta, me apresentei e perguntei se haviam recebido uma carta minha solicitando meu ingresso na comunidade. Aguardei a atendente entrar em um escritório e depois de alguns minutos ela voltou com uma carta que ainda não havia sido postada ao Brasil e a leu para mim. Eu havia sido aceita na comunidade, em caráter experimental e na condição de contribuir com a comunidade, ensinando yoga e os princípios do balé para todas as estudantes dos Gurukulas de Odissi, Mohiniathan e Kathak. Imagine a alegria da bailarina?

Nrityagram naquela época era um lugar idílico, rodeado por 9 pequenos vilarejos. Na ocasião a comunidade tinha um número aproximado de 16 estudantes residentes, a fundadora e mentora Gaurima, como carinhosamente Guru Protima Bedi era chamada, e duas famílias de funcionários responsáveis pelo cultivo da terra, cuidado dos animais, refeições e cuidados com a manutenção dos três Gurukulas. Gurukula é um sistema antigo de ensino de arte, realizado por meio de Parampara, linhagem discipular tradicional. Não poderia haver melhor e tão abençoado recomeço.

O registro dessas memórias continuam em – A Dádiva da Irmandade.

 

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