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Por Roberta Mitsuda

Quando se diz que “nada é por acaso nessa vida”, entendo que seja uma das maneiras de expressar que, realmente, não há como nada nessa passagem ser por acaso, pois somos plenamente responsáveis e autores de absolutamente tudo o que vivemos.

Em 2012 conheci a Índia. Na ocasião, “peguei carona” no que era o sonho de alguém com quem compartilhei 2 anos de minha vida. Digo que “peguei carona”, porque a Índia era um dos lugares que tinha apenas uma leve curiosidade de conhecer, mas nada sequer próximo de ser o sonho da minha vida. A viagem aconteceu, através de um roteiro turístico e também com grandes influências de um interesse pela forte expressão da Espiritualidade local. Conhecemos mais de 50 templos ao longo de visitas a Delhi, Varanasi, Haridwar, Rishikesh, Vrindavan, Mathura, Agra e Sarnath.
Voltei arrebatada pela conexão tão surpreendentemente maravilhosa que estabeleci com aquele entorno.

De volta à São Paulo, e à continuidade das minhas buscas por autoconhecimento, leituras, interações, práticas budistas, terapias… Pensei que seguramente a Índia tivesse alguma “modalidade” que pudesse mesclar dança, (algo que tinha desejo de praticar), meditação, espiritualidade, uma espécie de “yoga em movimentos dançantes”.
O Google foi o “portal” que me conduziu a essa outra dimensão: digitei “dança indiana” e a partir desse momento, Silvana Duarte entrou na minha vida, me conduzindo por uma nova alternativa de autoconhecimento, através da dança clássica Odissi, sobre a qual, até então, eu não tinha nenhum conhecimento.
Isso aconteceu há 2 anos, pois meu primeiro contato pessoal com Silvana se deu aos 20 de fevereiro de 2013.
Muito semelhante a maneira como o Budismo foi conquistando importância e espaço em minha vida, assim aconteceu com o Odissi.

O primeiro ano foi de aulas muito espaçadas, que só assumiram uma frequência semanal a partir de outubro/novembro, quando ingressei para o ICC (Indian Cultural Centre). Minha percepção sobre as aulas era muito curiosa: tinha que repetir movimentos, que desafiavam constantemente minha coordenação motora e o meu racional… A gentil e paciente mestra Silvana me convencia a repetir até melhorar o movimento, rumo ao correto… Nada de música (?) – no máximo, o som de 2 varetas que ela batia para dar o ritmo que queria ao movimento. Aquela 1 hora passava e, ao final, eu estava banhada em suor e invadida por uma sensação de descanso…da mente. Seguramente porque não tinha coordenação suficiente para tentar realizar tudo aquilo e ocupar a mente com qualquer outra coisa ao mesmo tempo. Mais um dia e mais alguns desafiadores movimentos, como “pegadinhas”, sabe?

Às vezes tinha a impressão de fazer parte daqueles programas em que há uma câmera escondida e ser o desavisado protagonista realizando absurdos cômicos, como por exemplo, chegar para uma aula de dança e passar vários minutos movendo apenas os olhos de um lado para outro, ou até, tentando, “saltar para baixo” (???), com as pernas flexionadas e os pés em “andeor”, lembrando um “sapo acima de seu peso”. Mas devo confessar que, em meio a tanta incompreensão da prática e do método, apreciei descobrir aos 40 anos de idade que havia uma parte de meu corpo capaz de se mover: o torso! Vale ressaltar que, descobrir sua capacidade de se mover não implica em imediatamente saber fazer isso.

Um dia, finalmente perguntei: quando é que eu vou “dançar”? Naquele momento, fui acometida por uma grande empatia com o personagem Karatê Kid, após inúmeros encontros com seu mestre de Karatê, preenchidos por horas de práticas de “vestir, tirar e pendurar sua jaqueta”. Silvana sorriu compassiva para a aluna, que ainda fazia as práticas com as mesmas roupas que frequentava as aulas de musculação na academia. Por obra da sincronicidade, cuidadosamente, lancei minha segunda pergunta: “seria o caso, “já”, de eu usar um saree para fazer as aulas?” E Silvana respondeu um “sim” tão convicto, que deixou claro que tinha passado da hora. Um movimento de transformação mais explícito se manifestou, até tocar minha percepção. Desde então, a cada prática, meu ser não é apenas despido, mas virado do avesso, “scaneado”. E através desse processo, quase desconfortável, sou instigada a responder. O convite ao exercício da humildade, do respeito, da apreciação por importantes valores, heranças, é constante e diferentemente apresentado a cada prática.

A fluidez e o aprendizado vêm quando a resposta é amorosa: compreender amorosamente os próprios limites e diferenças, respeitar e confiar amorosamente na prática e no mestre, se comprometer amorosamente com o processo, desenvolver amorosamente a paciência e ser, amorosamente, receptivo. Ao longo de 2014, a relação com a dança evoluiu e também, minha evolução através da dança. Coreografias foram ensinadas, praticadas, a presença da música, ensinamentos, significados e, finalmente, começar a “dançar” dependia só de mim, da minha atitude em relação a todo esse Universo que se revela mais, a cada dia. Um dos desdobramentos da minha receptividade foi a oportunidade da minha segunda visita à Índia. Pela primeira vez, pelo Odissi, em Orissa, e com toda a sorte de poder desfrutar da orientação, do companheirismo e dos cuidados de quem primeira e unicamente me conduziu nesse processo. Práticas diárias, com sua intensidade calibrada diretamente proporcional a proximidade geográfica da “fonte” de todos esses ensinamentos, elevou a potência da experiência desse processo transformador. Todos os aspectos que citei, novamente impactaram meu ser, de maneira ainda mais profunda.

Foto: Roberta em espetáculo SriDevi Teatro Viga – SP – 2015

O cansaço físico, que se acumulava a cada dia, as dificuldades enfrentadas para acompanhar o ritmo, memorizar, realizar movimentos, me visitaram juntamente com aquela cruel dúvida: “será que eu não deveria estar aqui?”
Quando não sabia mais se estava agindo pela persistência ou pela teimosia, veio a clareza e, com ela, a confirmação. De algum modo, estava tudo certo. E fiz o que posso considerar a melhor viagem de toda a minha vida.
Sigo em frente, a passos pequeninos e lentos nessa arte, mas com o cuidadoso cultivo daquela energia, e com a esperança dela reverberar muito ainda, em todos os aspectos dessa minha vida.

Foto acima: Roberta em viagem ao berço da dança Odissi juntamente com a Profa. Silvana Duarte – Vila de Ragurajpur – Orissa – 2017

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