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Rahul Acharya visita Sashimani Mahari, a última devadasi viva do templo de Jagannath, Puri. O artigo é uma conversa com ela.

Dizia-se que a dança das Maharis era um deleite para os olhos. Seus Bhramaris (movimentos rotacionais) à melodia de ‘Tham Thei’ do Thai Nata ou seu retrato dos sentimentos eróticos ao ‘Kuru Yadu Nandana’ do Geeta Govinda eram incidentes inesquecíveis para um espectador que os tivesse visto mesmo que apenas uma vez na vida. Dizia-se que sua dança costumava cativar o próprio Deus, sem falar nos seres humanos comuns, e, portanto, elas eram chamadas de Maharis ou grandes damas, que tinham o poder de encantar Deus. Diz uma lenda que Lord Jagannath uma vez acompanhou uma bela Mahari até seu jardim, enquanto ela cantarolava ‘Chandana Charchita’ (outra canção do Geeta Govinda) e colhia folhas de Tulsi. No grande templo, foram encontrados espinhos aderindo seus trajes reais.

Tal era a aura de uma Mahari, cujos cílios em essência cativavam o mundo inteiro. Cuja marcha silenciava completamente as atividades dos três mundos, cujas pulseiras adornadas com pedras preciosas serviam de velas durante a dança, que os olhos de cervo dessas donzelas eram oferecidos em devoção a Lord Jagannath.

Tudo parece ter terminado abruptamente, sem qualquer explicação lógica para seu repentino fim. Não mais são ouvidos os Ghungroos (guizos de tornozelo) nem os tambores. Raramente há qualquer recitação do Geeta Govinda dentro do grande templo, que ainda se vangloria de ser o berço da moderna dança Odissi. Cortinas se fecharam sobre a grandeza da tradição Mahari após a morte das duas últimas sobreviventes: Sashimani e Parashmani, que não deixaram nenhum sucessor. Não se sabe se a próxima geração poderá saber qualquer coisa sobre elas.

O seva (serviço) das Maharis foi um dia parte integral dos Nitis (rituais) diários conduzidos no templo de Jagannath. Muitos pesquisadores têm dado opiniões variadas sobre a sua criação como seva no templo. Mas o fato é que ele começou a partir do dia da instalação das deidades do templo. Esse argumento já mencionado é ainda comprovado no “Niladri Mahodava” (texto em que os rituais dos templos são consagrados), onde Lord Brahma instrui o Rei Indradyumna sobre o modo de adoração:

Ghanta mardalayorabaha pujayam prtyaham nrupa
Pujabasanaparyanta mebam syanrutyagitake (N.M, Chap: 7, Sh:117)

Oh Rei! Durante os procedimentos do ritual, diariamente, deve haver um arranjo para se tocar Ghanta (instrumento de prato de metal), Mardala (percussão) e para a dança. Isso deve continuar até que o Puja (ritual) termine. Outro shloka menciona a performance da dança e da música durante os rituais ‘Bada Shingara’ (noite ou hora de dormir):

Malyoratulyarachanairvesham kuryanmanoharam
Gite nrutya cha purato jayamane muhurmuhu (N.M, Chap: 8, Sh:49)

O arranjo para uma apresentação de dança e música é uma obrigação quando o Senhor está sendo enfeitado com guirlandas. O registro de direitos (Crônica do governo sobre os rituais do templo Jagannath ) especifica os procedimentos exatos da seva Bhitara Gauni (serviço do músico interno):

Alati samayare bhitara gauni (mahari) kalahata duare jagannathanka parsware basi gana kariba

Durante o Arati (lamparinas em movimento circular), a Bhitara Gauni ou Mahari deve sentar-se no Kalahata Dwara (a porta do templo principal) para o lado do Senhor Jagannath e com sua voz louvar o Senhor supremo. Este serviço continuou até os últimos dias. Estas senhoras nunca se casaram, dedicavam-se ao Senhor no serviço do templo. Diz-se que uma Mahari nunca via a luz do sol. Isso significava que ela nunca dançou fora do templo ou em reuniões públicas. Ela dançava apenas para entreter o Senhor.

Agora, quando lemos sobre a história do passado, como dançarinos de Odissi, é uma pena dizer que não há mais nada para se contemplar retrospectivamente. Não há ninguém para nos guiar corretamente. Tudo o que é dito ou ouvido falar sobre essa tradição não é nada mais do que textual. É difícil se dar conta de que essa cultura pura não existe mais.

A seguir, um relato da minha discussão com Sashimani Mahari. É uma experiência narrativa dos anos passados de Sashimani e sobre os rituais Mahari . É um passo para deixar que meus leitores saibam sobre a verdadeira vida de uma Mahari em suas palavras.

Nas palavras de Sashimani:

Naqueles dias, era uma norma escolher meninas  brâmanes, ou Karana, ou Khandayat como Maharis. O processo de escolha era muito elaborado e éramos escolhidas estritamente com base em nossa beleza. Isto era feito para garantir que a nossa beleza agradava o Senhor, pois depois de nos tornarmos Maharis não seríamos mais mulheres mortais comuns, mas deveríamos ser grandes damas . Nasci para Suryamani Mahari, que era a irmã de Harapriya Mahari, em Markandeswara Sahi ( localidade de Puri ). Eu nunca soube quem era meu pai. Que eu me lembre, nunca vi um homem em nossa localidade. Éramos criadas apenas entre mulheres.
Lembro-me de ter iniciado minhas aulas de dança como uma criança na tenra idade de três anos, sob a orientação da minha mãe e Sri Mohan Mohapatra. Nós nunca tivemos qualquer gramática rigorosa para a dança. Todas as aulas eram bastante espontâneas e deveríamos sentir a dança, em vez de fazê-lo mecanicamente. Minhas aulas de dança continuaram  até a idade de sete anos e então eu estava pronta para entrar no grande templo para começar meu seva. Um dia auspicioso foi fixado para o meu casamento com o Senhor (de acordo com Sashimani, elas eram casadas com o Senhor). O ritual era chamado de “Sadi Bandana” (amarradura do saree). Aquele dia foi de grande satisfação para nós, pois era o único dia em que éramos autorizadas a socializar. Depois deste dia, nós não deveríamos ver o rosto de qualquer homem. Na parte da manhã desse dia, me foi dado um banho com pasta de sândalo , açafrão e água perfumada e eu estava vestida com ‘Pata Sarani ‘ (saree de seda indígena) e o melhor dos ornamentos de ouro que tínhamos. Fui então levada ao nosso local, o Brundabati Chaura (altar Tulsi) com um punhado de arroz coberto com uma noz de betel. O dia inteiro eu estava em jejum completo, mesmo sem uma gota de água. Lá, no altar, a nossa Kulaguru (sacerdote da família) me deu o dikshya (iniciação). Após a cerimônia, fui levada ao templo em uma procissão. Lá no templo eu fiquei no Jaya Bijaya Dwara (outra porta do templo principal), onde o saree foi amarrado na minha cabeça. O Pattajoshi Mohapatra (um servo do Senhor), então me enfeitou com uma guirlanda com flores do Senhor. Em seguida, um Chita Ramanandi (marca Vaishnava) e um topa Sindura (marca vermelha) foram pintadas na minha testa. Isso era feito para mostrar que eu era casada com o Senhor. Depois disso, dei sete voltas ao redor do templo, como uma mulher casada faz ao redor do altar de fogo. Após a cerimônia do templo, Stodos voltaram para a minha casa onde fomos entretidos com Mahaprasada (alimento oferecido a Lord Jagannath) . À noite , fui levada para o Sri Nahara (palácio real) para realizar o seva Palanka (rituais da cama), que consistia em cantar diante da cama do rei. Lá me sentei cantando, olhando diretamente nos olhos do rei. Esta parte do ritual no palácio foi observado como o Gajapati Maharaj (Rei) de Puri é venerado como a imagem em movimento do Senhor Jagannath. Embora fossemos casadas com o Senhor, nós deveríamos permanecer solteiras por toda a nossa vida, ou seja, não éramos permitidas a aceitar qualquer marido mortal. Aquelas que o faziam eram excluídas do seva. O dia seguinte foi meu primeiro dia de serviço. Foi-me dado um banho de purificação. Fui vestida com trajes elaborados e levada para o templo. Naqueles dias nós usávamos apenas o ouro, no entanto, dançarinos Odissi modernos podem permitir-se apenas ornamentos de prata. Esta performance era durante a Dhupa Sakala (café da manhã ) e eu me apresentei com o acompanhamento de Mardala (percussão) e Gini ( pratos ), bastante alheia ao meu redor. O Rajguru (sacerdote real) foi me monitorando com uma vara de ouro na mão. A dança era um Nritta  dança pura), sem qualquer música que o acompanha. A segunda apresentação ocorreu durante Bada SeShringara e este foi realizado a portas fechadas. Dessa vez, a dança era para ser expressiva e as canções que acompanham a dança foram retirados apenas do Geeta Govind . Este serviço continuava a cada dia, a cada mês e a cada ano. Tanto quanto me lembro, eu nunca deixei de me apresentar, mesmo por um único dia. Eu nunca adoecia e gostava de me apresentar para o Senhor. Cada dia era uma experiência divina para mim e eu costumava entrar em êxtase durante minhas performances. Considerava-me abençoada na medida em que também estava recebendo orientação de ninguém menos que Kokilaprava Mahari, que estava servindo como um Bhitara Gauni. Dança como um ritual também era realizada em frente a Deusa Vimala no templo principal e da Deusa Durga Kanaka no Sri Nahara, no dia Mahashtami (oitavo dia do puja Durga), à noite. Este meu serviço continuou por quarenta longos anos. Tudo o que eu costumava receber era vinte e cinco paise como ‘ Khei ‘ (salário) e um monte de amor divino. Eu não queria nada mais. Naqueles dias éramos uma comunidade respeitável e éramos tratadas como deusas. Mas isso não continuou por muito tempo. Lentamente, nos tornamos suspeitas de estar associadas a Ganikas (prostitutas). Isso deu origem a uma rebelião dentro do templo. Nós pouco percebemos que este era o início de um fim. Todas aquelas pessoas que nos respeitavam começaram a nos desprezar. Só o meu Senhor sabe qual era a verdade. Finalmente, a rebelião se tornou tão forte que tudo foi interrompido. A dança como um ritual foi completamente interrompida e a música se tornou um ritual opcional.

Trinta anos se passaram desde então. Ninguém está vivo. Só Parashmani e eu estamos vivas. Eu não tenho nada para fazer, a não ser olhar para o Senhor o dia todo. Agora estou muito velha e apesar de me sentir cheia de energia, meu corpo tornou-se tão fraco que não mais me permite dançar. Eu ainda estou recebendo um Khei de cento e cinquenta rúpias por mês. Como parte do meu serviço eu estou fazendo a seva Nandotsav (o dia após Janmashtami), que faz parte do Samprada nijog seva (ritos cerimoniais exteriores), que é uma vez por ano. Eu ainda estou viva por causa do meu grande Senhor.

Nota do autor : No dia da minha visita, Sashimani teve a gentileza de me mostrar um pouco de sua dança. Sendo eu um dançarino de Odissi, fiquei maravilhado com a graça que ela mantém mesmo nesta idade (ela está se aproximando dos noventa). Ela me permitiu tirar algumas fotos dela, durante sua performance.

Texto de Rahul Acharya para www.narthaki.com
Vídeo: Mahaprabhu Das – Murwillumbah, Australia
24 de Dezembro de 2003

 

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