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A dança tradicional indiana é inteiramente ritualizada. Ritualizada na sua estrutura de apresentação quanto na forma de se narrar uma história. O ritual na dança, é a representação de um mito e a repetição do Mito, na execução do movimento e gesto, centra o indivíduo, e serve de instrumento para uma transformação pessoal do mesmo. Gosto da citação de Campbel que diz: “A repetição do mito vezes sem fim torna a pessoa transparente ao transcendente. É assim que o Mito funciona. O poder do Mito é colocar o receptáculo mental em contato com o receptáculo de sabedoria, aquele que manifesta o transcendente”.

A dança tradicional encontra uma excelente exemplificação do seu valor, na história que descreve a origem mitológica do teatro, do qual a dança, assim como a música, literatura, a pintura e escultura, também fazem parte.Essa história é contada no 1º. Capítulo do Natya Shastra, o mais antigo tratado da dramaturgia no mundo, concebido por inspiração divina pelo sábio Bharata.

A história descreve uma época em que os seres humanos se lançaram aos prazeres dos sentidos, submeteram-se ao jugo dos desejos, do ciúme, da cólera e de quando a felicidade se confundiu com a tristeza. O rei dos deuses (Indra) , e os outros deuses maiores, vieram até a presença do deus criador (Brahma), pedir ao venerado senhor que criasse um “objeto de representação”, um “passa-tempo”, que fosse audível e visível, e que diferente dos outros Veda(s), pudesse pertencer a todas as classes sociais. Brahma então, voltou-se ao 4 Veda(s), as escrituras sagradas, e a partir deles, criou o 5º. Veda, o Natya Shastra, o tratado da dramaturgia. Neste Veda, todos os temas da mitologia e tradição heroica estão combinados. O tratado contem o significado do conhecimento sagrado, e traz para a arte todas as facetas da vida e faz dela, próspera.
O Natya-Veda foi apresentado pela primeira vez. E para essa comemoração uma peça teatral descrevendo a vitória dos deuses sobre os demônios foi apresentada. Os deuses estavam exultantes, mas os demônios estavam furiosos com essa apresentação. Seus esforços para paralisar os discursos, a memória e movimento dos atores, foram frustrados pela intervenção do rei dos deuses (Indra). Para prevenir qualquer futura intervenção dos demônios durante a apresentação, o criador (Brahma) chamou o arquiteto divino (Vishvakarma), para criar o edifício do teatro e colocou cada parte do teatro sob a guarda e proteção de um dos deuses. O próprio criador (Brahma), tomou o seu lugar no centro do palco. O ator principal está sob a proteção do rei dos deuses (Indra) e a atriz principal sob a proteção da deusa das artes (Sarasvati). A palavra OM, o verbo que deu origem ao universo, protege a apresentação e o deus da destruiçãotransformação (Shiva), protege todos os personagens.

O autor desse tratado, conta como Brahma, o criador, justifica a criação do teatro e estabelece O SEU VALOR EDUCATIVO:”O teatro (que inclui a dança), deve ser a representação do mundo, das ações e da conduta dos homens. Não tem o propósito de fazer elogios a nenhum clã, mas trazer á luz os estados psicológicos da mente. Conta o criador (Brahma) que o objetivo não é agradar deuses e demônios, mas estar em perfeita harmonia com a ordem cósmica. Esta arte ensina a retidão a todos os que transgridem a ética. Confere alegria, auto-controle, renovação, coragem, energia e sabedoria. Não há nenhuma máxima, afirma o criador, nenhum conhecimento, arte, ação de liberdade, valor ou princípio do yoga, que não seja encontrado nesta arte superior. Nela todos os ramos do aprendizado são praticados e todas as artes estão combinadas. Através do uso consciente do instrumento teatral, o palco é consagrado e assemelha-se ao altar sacrificial. Pode-se dizer em resumo, que a dança é um épico de palco, revivendo as atividades dos deuses, titãs e heróis. Que trata do tema eterno, sempre renovado, sempre presente, da luta entre deuses e demônios no palco deste mundo e no coração de cada um.” Através desta justificativa, esta arte é muito mais que um simples entretenimento. Seu valor pedagógico é um ensinamento sem se parecer com um, pois transmite uma educação sob o manto de um grande prazer.
De acordo com os teóricos indianos, este encantamento é comparável ao êxtase da liberação espiritual, onde a atividade incessante da mente foi colocada para descansar, onde a tranquilidade da mente e os sentidos levam a uma comunhão com a suprema realidade.

Uma justificativa como esta para a criação do teatro, nos permite vislumbrar e apreciar o alcance metafísico das artes tradicionais da Índia. A perceber a pratica da dança tradicional e de todas as artes ligadas a ela, um valioso canal de transformação pessoal.

obs: É difícil precisar o período de origem deste tratado. Há indícios de ter sido composto a partir do séc. II a. C. Esse tratado foi confiado à linguagem escrita por volta do séc. IV e V d. C.

Fotografia Artística: Lester Weiss Photography. www.ojoblanco.com

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