Esteticamente, o Odissi é identificado e diferenciado dos demais estilos de danças clássicas indianas pelos ornamentos em prata usados pelos dançarinos, pelo arranjo de flores que comporta uma réplica da torre do templo de Jagannath, em Puri (cidade próxima a Bhubaneswar, estado de Orissa) e pelo rico design de seu costume especialmente confeccionado com saris típicos de Orissa.
Transplantado dos templos para os palcos, o Odissi foi redescoberto no século XX, tendo como aspecto significativo a mesma consciência espiritual que motiva todos os estilos de dança indiana sendo, portanto uma forma de celebração do divino e da divindade que existe em cada ser. Uma característica que denota a importância metafísica da dança como, uma forma que transcende a sua própria característica de ritual religioso, promovendo uma experiência transformadora tanto do dançarino como da própria platéia que comungam do mesmo espírito transformador.
Pode-se dizer que, o próprio processo de descoberta nacional da herança artística e da identidade cultural da Índia após sua Independência do jugo britânico garantiram a renascença tanto do Odissi como dos demais estilos de arte dramática que englobam o drama, a dança e a música na Índia.
A fim de resgatar o Odissi como uma tradição que estava se perdendo e prescrita aos pequenos e remotos vilarejos de Orissa, renomados gurus ou mestres de dança, no início do século XX, promoveram um verdadeiro trabalho de pesquisa, lançando-se como “etnógrafos da dança”. A pesquisa exaustiva em templos, as visitas aos vilarejos em busca do precioso conhecimento das mulheres que fizeram do estilo Odissi uma tradição templária de expressão dramática (as chamadas maharis), bem como dos meninos dançarinos (os gotipuas) que, fora dos limites dos templos, deram ênfase aos aspectos acrobáticos da dança, garantiram todo o processo de reconstrução, renascimento e fundação da base do estilo Odissi como arte teatral da maneira como a conhecemos hoje. Enquanto as maharis representavam o culto a Krishna, direta e restritamente nos templos, os meninos gotipuas levavam a dança ao maior alcance do povo, apresentando-se em festivais religiosos e sociais, sendo iniciados no treinamento já na tenra idade de sete anos e geralmente terminando sua carreira de dança quando alcançam os dezoito anos de idade. O resgate de ambas as tradições foi de extrema importância para promover uma forte base para o renascimento do Odissi.
A tradição Vaishnava, ou seja, a devoção a uma das deidades da Trimurti indiana, representada por Vishnu e suas manifestações, especialmente Krishna, foi amplamente representada pela tradição dessas jovens mulheres (as maharis) que se dedicavam ao serviço nos templos, oferecendo a dança e a música para Jagannath (uma das principais manifestações do Senhor Krishna). No Templo de Jagannath em Puri, as maharis (as servas de Deus), dançavam e cantavam apenas canções sobre a vida de Krishna extraídas da famosa obra “Gita Govinda” do poeta Jayadeva. Nestas canções, o amor de Radha por Krishna é considerado uma metáfora do amor da alma humana pela união com o divino. Esse aspecto devocional (bhakti) mostra-se na sofisticada articulação entre a estética da música e da dança Odissi, destacada em sua expressão dramática (abhinaya).
Depois de transplantar os limites dos templos e dos vilarejos, o Odissi espalhou-se pelo mundo. Os gurus que protagonizaram o renascimento dessa arte formaram uma legião de discípulos que, por sua vez, iniciaram e formaram outros tantos discípulos dentro e fora da Índia. No Brasil, os centros de estudo do Odissi concentram-se no centro-sul do país, especialmente em São Paulo. De qualquer maneira, na Índia ou em outras localidades do planeta, a idéia de tornar e manter o palco como uma construção ritual tem sido uma forma de manter a dança vinculada à tradição religiosa que a originou. Uma tradição que para uns deve permanecer intacta mesmo que as mudanças, imperceptíveis aos olhos, estejam no processo; para outros, mudanças que são inevitáveis diante das transformações cotidianas da realidade da vida moderna. O elo entre ambos os pensamentos aparentemente antagônicos é a certeza de que o caráter espiritual da dança é que a torna um instrumento de aproximação do homem com sua essência e, portanto, com o divino.
O texto acima foi extraído do livro: “Odissi – Dança Clássica Indiana”
Autora: Rita Andrade
Editora Scortecci/ Ano 2009
À venda nas livrarias Cultura e Editora Scortecci
Foto> Sreenivasan Ramakrishnan