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Falando sobre dança em geral, qualquer forma de arte performática na Índia era uma tradição dedicada à prática espiritual. Não somente as artes performáticas, mas também as artes visuais, como pintura, escultura, arquitetura, tudo era uma prática espiritual. Dança, música, teatro, literatura e poesia, evoluíram basicamente em torno das atividades dos templos. Essas práticas eram dedicadas e apresentadas aos deuses dentro dos templos. Nessa época, as formas de dança e música indiana que apresentamos foram formatadas e trazidas para fora dos templos e adaptadas para o palco. As devadasis praticavam formas que não deveriam ser vistas ou ouvidas por nenhum mortal. Eram apenas para os deuses. As artes performáticas que temos, teatro, música e dança, eram uma só arte, não eram separadas umas das outras. Dança e música eram parte de uma performance teatral.

Foi no século XII que a dança e a música foram separadas do teatro. Atualmente temos oito escolas de dança clássica indiana. No norte, temos Khathak, no leste o Odissi e o Manipuri. No sul, Bharatanatyam, Kuchipudi, khathakali, e Mohinnyattan. E recentemente, outra forma de dança, de Assam, que fica no nordeste da Índia adquiriu um status de dança clássica, é chamada Sattriya. Mas todas essas formas clássicas de dança começaram nos templos, onde eram praticadas majoritariamente por mulheres, que eram dedicadas a deus, chamadas devadasis. E essas mulheres dava-se a impressão de serem casadas com deus. Ser casada com deus significa ser elevada ao status de deusa. A essas mulheres não era permitido ter vidas normais. Elas não podiam se misturar com o público. Não podiam se associar a nenhum homem. Tinham de permanecer solteiras a vida inteira. E a vida inteira delas era confinada aos templos. O dia inteiro cantavam e dançavam para os deuses.

O primeiro registro textual da dança, ou arqueológico, no mundo inteiro, foi encontrado na Índia. A escritura mais oficial ou texto sobre artes performáticas indianas, que foi considerado a escritura mais antiga sobre danças performáticas no mundo inteiro, foi o Nātya Śastra. É difícil determinar um período histórico para o Nātya Śastra, porque acreditavam que o autor do Nātya Śastra tinha sido diretamente treinado por Siva, o primeiro dançarino cósmico. O conhecimento na Índia nos tempos antigos nunca era escrito, era transmitido como tradição oral. A escrita começou por volta do século X ou XI a.C. Sobre tudo que era transmitido antes, temos uma literatura enorme na forma de Veda(s), que eram transmitidos como tradição oral. O conhecimento que era transmitido através de gerações era tão vasto e tão profundo, que acreditavam que não haviam sido escrito por um ser humano. Era impossível de ser concebido por uma única pessoa. Da mesma forma, as artes performáticas também eram transmitidas nessa tradição. Parte de sua vida regular como estudante era não somente estudar os textos, mas também ter uma aplicação prática do conhecimento de dança, música, teatro, formas de artes marciais, arco e flecha, vida militar. Era um conhecimento completo, integral. Uma única pessoa tinha de saber sobre medicina, literatura, artes performáticas, artes marciais e etc. Acredita-se que a dança começou com o Deus Śiva, considerado Nataraja, que significa rei dos dançarinos. Bharata, que é o autor ou compilador do Nātya Śastra, supostamente foi treinado por Śiva.

O primeiro manuscrito do Nātya Śastra foi encontrado no século II a.C. A dança, que era mencionada no Nātya Śastra, tinha uma forma bem masculina, não era feita para mulheres. Por ser passada por Śiva para Bharata, todos os herdeiros do legado da dança eram homens. O que as mulheres faziam era considerado apenas entretenimento, não uma dança séria. Bharata menciona no Nātya Śastra quatro estilos de dança. E divide o mapa da Índia em quatro zonas de acordo com o estilo de dança predominante ou existente. No norte, o estilo prevalente era o Avanti. No sul, o Daksinanatya. No oeste, Panchali. E no leste, Odra-magadi. Desde Bharata, até provavelmente o século IX, a dança foi muito praticada por homens. Mas do século IX até o XII a prática da dança foi perdida totalmente.

Foi um período em que a Índia passava, do século IX a.C ao século IX d.C., por um declínio da tradição cultural ou a tradição religiosa da Índia. Porque os textos espirituais, os Veda(s), foram muito mal interpretados nessa época. E muitas más práticas começaram a acontecer. Então o sistema de castas começou, em que somente se você pertence a determinada casta pode ter acesso ao conhecimento, e se você não é um brahmin você não pode adquirir conhecimento. Então ficou tão difícil para qualquer um que não fosse um brahmin adquirir conhecimento, que as pessoas começaram a odiar as práticas dos hindus. Foi uma época em que outras formas de práticas espirituais, mais acessíveis, por exemplo o budismo, começaram. Durante essa época o hinduísmo declinou e suas práticas começaram a parar.

Foi no século IX que um grande filósofo chamado Adichakaracharya surge e restaura ao hinduísmo sua antiga glória. Foi um tempo em que as regiões dos templos foram construídas. Deuses eram deificados em uma forma humana. Eram basicamente tratados como um membro da família. Pessoas aceitavam deidades personalizadas que alguém afirmasse ser seu filho, minha filha, meu pai, o rei da terra. Foi uma época em que particularmente a região sul e leste da Índia começaram a construir grandes templos. E nesses templos, as deidades abrigadas eram tratadas como imperadores daquela terra soberana. E como parte de um ritual real, veio a prática de ter músicos e dançarinos templários. Antes dessas práticas começarem acreditava-se que a dança era praticada no céu. Nessa época havia um templo enorme de Lord Jagannath em Orissa, no leste da Índia. O templo de Jagannath é considerado o mais antigo do mundo. Seus rituais foram desenvolvidos e modificados durante o tempo de Adichancaracharya no século IX.

Foi um tempo em que as dançarinas mulheres se dedicavam aos templos. Essas mulheres ou devadasis em Puri, eram chamadas maharis ou grandes damas. Essa tradição de músicos e dançarinas templárias encontrava-se no sul e no leste somente, porque na parte norte da Índia, havia muita influencia mughal, influencia do oriente médio. Foi uma época em que a parte norte da Índia passava por uma séria reviravolta. Parte da cultura mughal era islâmica, muçulmana, dança e música eram anti-islâmicas. O reino de Puri era muito forte, então foram muito bem sucedidos em suprimir a invasão mughal. O reino inteiro de Orissa se estendia do nordeste até a parte sul da Índia, era um território enorme. E o senhor ou imperador dessa terra era Jagannath. Jagannath significa senhor do universo. E o ser humano que regia o reino era considerado o superintendente, o representante de Jagannath, mas não o imperador.

Nesses templos haviam meninas bem jovens de até 7 anos de idade que serviam, cantavam e dançavam para Jagannath. Eram iniciadas nas tradições de Jagannath e tinham a impressão de que eram esposas dele. Essas mulheres tinham que viver a vida inteira dedicadas às deidades e não tinham uma vida familiar normal, a partir do momento em que chegavam aos templos eram proibidas de ter contato com a família. E não podiam casar. Se qualquer devadasi ou mahari era descoberta tendo se casado em segredo, perdia o serviço no templo. Essa tradição de canto e dança no templo de Jagannath continuou até o século XVI, até que um filósofo da parte leste da Índia chamado Chaitanya começou a propagar sua cultura, sua filosofia.

Foi no século XI que houve uma revolução na tradição religiosa na Índia, quando o bramanismo ou sanscritização foi se perdendo lentamente. Isso significa que a prática do conhecimento, na abordagem de uma vida espiritual foi se perdendo e um fervor devocional foi adicionado. Para a tradicional bramanização ou sanscritização das práticas espirituais, você tem que entender a filosofia dos Veda(s), a filosofia da vida, mas uma vez que se pode conhecer, a devoção não se faz presente. Era muito difícil para as pessoas normais digerirem. Você não consegue explicar a filosofia da vida para um mendigo. No século XI, os santos, filósofos e pregadores por toda a Índia começaram a separar o conceito de conhecimento como parte de uma vida espiritual e começaram a acrescentar o conceito de devoção. E essa forma de Deus na forma de Kṛṣṇa passou a existir. Kṛṣṇa era muito acessível, tinha uma natureza muito humana. Era muito fácil para as pessoas se correlacionarem com essa deidade em particular. Kṛṣṇa podia roubar, flertar, dançar com mulheres, se divertir com os homens, apanhar da mãe. E ainda assim, podia ser um governante capaz, um amigo filósofo e guia, que poderia criar maravilhas. Poderia atingir o inatingível. E tudo isso em uma forma humana, mesmo sendo deus. Porque outras deidades hindus tem figuras muito inumanas, por exemplo, Durga tem dez mãos, imagine-se estar sentado diante de alguém que tem dez mãos. Viṣṇu tem quatro mãos. Se uma criança nasce com quatro mãos você o considera uma aberração. É assim que Kṛṣṇa vem a existir, de forma que as pessoas pudessem se correlacionar facilmente.

Essa cultura de adoração a Kṛṣṇa como uma deidade personalizada prevaleceu vigorosamente durante o século XVI. E Chaitanya foi um filósofo de Bengala que propagou sua filosofia de Kṛṣṇa Bhakti, ou devoção a Kṛṣṇa no norte e no leste da Índia basicamente. A deidade de Jagannath era um ícone, um conceito que tudo abrangia. Todo filósofo, todo santo tentava analisar Jagannath de acordo com sua própria filosofia. Já analisaram Jagannath adorado como Durga, como Śiva, como Ganesa, como Surya. Da mesma forma Chaitanya, pois sua deidade era Kṛṣṇa, então ele também analisou Jagannath na forma de Kṛṣṇa. E fez de Puri, a terra de Jagannath, o local de suas pregações. Eles começaram essa filosofia de adorar Kṛṣṇa como sua parceira. Porque Kṛṣṇa gostava de mulheres. Então essa maneira personalizada de adoração a Kṛṣṇa com o coração de uma mulher foi incentivado.

Essa filosofia dizia que Kṛṣṇa era o único homem e todos nós somos mulheres. Também com a mistura de uma influência muçulmana naquele tempo, a sociedade indiana foi se tornando muito patriarcal. Mas antes, a sociedade indiana nunca foi patriarcal, as mulheres tinham um status igual ou até mais elevado que dos homens, as mulheres podiam se tornar eruditas, podiam estudar, podiam fazer o que quisessem, nunca eram oprimidas até a chegada dessa influencia muçulmana. E nas práticas sociais dos indianos, a sociedade indiana ficou muito patriarcal naquele tempo. E as mulheres não podiam aparecer em público. Então os seguidores de Chaitanya desencorajavam as mulheres de dançar nos templos. As maharis foram substituídas por meninos pré-adolescentes que se vestiam de mulheres para dançar no templo. Esses meninos foram chamados de gotipuas. Porque Chaitanya tinha uma forte influencia política no reino de Orissa, Puri em particular, ele tentou substituir as maharis pelos gotipuas. Mas a administração do templo não permitiu que isso acontecesse.

Os seguidores de Chaitanya começaram a estabelecer seus próprios monastérios ao redor de Puri para começar suas próprias práticas. E esses gotipuas começaram as práticas de canto e dança nesses monastérios. Esses gotipuas não podiam adentrar as premissas do Templo de Jagannath, mas podiam se apresentar em todos os rituais de Jagannath que aconteciam fora do templo. Lentamente essa prática de dança nos templos continuou até o começo do século XIX, quando os britânicos começaram lentamente a por suas mãos na Índia. Pelo século XIX os britânicos já tinham se apoderado da Índia. E havia uma lei dos ingleses que bania canto e dança nos templos, bania as mulheres de cantar e dançar nos templos. Foi aproximadamente em 1898 que foi declarada uma lei que bania as mulheres de se apresentar nos templos. Porque naquele tempo os britânicos começaram a associar essas dançarinas e musicistas templários à prostituição e as chamavam “natch girls”. Isso acabou com a cultura vibrante de canto e dança dentro dos templos. E foi aproximadamente em 1920 que a dança no templo de Jagannath declinou, porque as mulheres não estavam mais interessadas em dedicar suas vidas ao serviço à Jagannath.

Lentamente o patrocínio que o templo de Jagannath dava aos monastérios de Chaitanya foram cortados. E era difícil para os monastérios sustentarem esses meninos dançarinos. Com o fim da dança e da música nos templos, esses meninos não tinham o que fazer a não ser viajar de vila em vila se apresentando publicamente. Naqueles dias na índia não haviam outras fontes de entretenimento. As únicas formas de entretenimento eram dançar e cantar, ler as escrituras religiosas. O que aconteceu foi que os senhores das terras locais começaram a patrocinar esses meninos e a manter sua trupe pessoal de gotipuas. Com o tempo, a devoção religiosa foi desaparecendo da mente das pessoas e elas foram se tornando mais materialistas. Ninguém queria ver uma forma de arte espiritual, as pessoas queriam ver o que você poderia fazer como dançarino. Então esses gotipuas tiveram que perder o repertório religioso e se tornaram meros contorcionistas e acrobatas. Foi na década de 1940 que três desses gotipuas se uniram para reviver essa forma de dança perdida.

Foi Guru Kelucharan Mohapatra, Guru Pankaj Charan Das e Guru Deva Prasad Das que reviveram essa forma de dança. Foram ajudados por eruditos que eram também filósofos muito famosos, por exemplo, havia um homem chamado Patnaik. Ele era um guia acadêmico. E uma pesquisa séria começou a ser feita sobre essa dança. Foi em 1928 que foi cunhado o nome Odissi. Antes disso, a dança tinha sido tão degradada que se falava dela como apenas uma dança qualquer, uma porcaria de dança dos Oriyas. Foi na década de 1940 que uma séria pesquisa foi empreendida para reviver esse estilo de dança. E no curso de descobertas, quando tiveram acesso ao Nātya Śastra, descobriram que o autor do Nātya Śastra mencionava esse estilo, que era previamente chamado de Odra-Magadhi prevalente nessa região da Índia, era o estilo mais antigo de dança. Naquela época o estilo do sul, Bharatanathyan já tinha ganhado proeminência.

Foi em 1954 que esse estilo particular de dança chamado Odissi foi apresentado fora de Orissa pela primeira vez, em Nova Deli. Essa apresentação foi presenciada por muitos dignitários, entre os quais havia um dançarino muito famoso e um famoso crítico de dança húngara. Ele quando viu essa dança disse que essa dança parece muito mais antiga do que qualquer outro estilo existente na Índia. E encorajou sua amiga indiana e americana que já era uma renomada dançarina de Bharatanathyan. Ela foi a primeira miss índia, era muito renomada, muito conhecida. Ela foi encorajada a aprender essa forma de dança. E nessa época os gurus estavam ensinando mulheres de famílias muito aristocráticas. Duas delas já estavam ficando muito famosas. Uma delas foi Sanjukta Panigrahi e a outra, Kumkum Mohanti.

Os Gurus não eram artistas performáticos, eram professores e passavam seu conhecimento para essas mulheres. E o Odissi começou daí. Foi a primeira dança clássica indiana a ser apresentada em todo o mundo internacionalmente. Prima bailarinas como Ana Pavlova e Nijinsky, quando tinham alunos indianos pediam que eles voltassem e revivessem a dança perdida da Índia, porque acreditavam que a dança veio da Índia. A partir de então, Odissi se tornou o estilo de dança indiana mais famosa no mundo. O que eu contei agora foi uma história geral do Odissi. Há vários detalhes intrincados, mas não vou a eles devido ao curto tempo, e eu tenho que me preparar para uma performance. Mas em geral, acredito que todos vocês tenham uma ideia sobre as danças indianas.

As danças clássicas indianas tem uma linguagem própria. Enquanto nas formas ocidentais o corpo é o objetivo, não é o mesmo nos estilos de dança indiana. Comparando com as danças ocidentais, em que você deve fazer o que puder com o corpo, e você apenas está movendo o corpo, nas danças indianas você usa o corpo como um veículo para transcender. Seu corpo é como um veículo da alma para te transportar desse plano material para um transcendental ou divino. E há toda uma gramática, uma linguagem nessas danças em que você usa cada parte do corpo para o movimento. E essa gramática é transmitida há milhares de anos. Como dançarinos de dança clássica indiana não podemos nos despir da história que carregamos desde então, uma história tão antiga quanto a civilização humana. Como artistas devemos lembrar de toda a história e gramática transmitida a nós seja oralmente seja de forma escrita. Terminamos com isso. Alguém tem alguma pergunta?

Em termos de gesto, quando começaram a ser organizados?

O conceito dos gestos começou como prática nos templos, como todo o resto. Dança e música eram parte do templo. Quando adoramos uma deidade em particular em um templo e você conhece os rituais, os slokas, as orações que usamos estão em sânscrito. Se você é um sacerdote você conhece os rituais, mas acreditamos que um dalit por exemplo, não conhece o sânscrito. Há uma linguagem dos gestos das mãos … estou invocando uma deidade então faço todos esses mudras esses gestos para explicar algo a uma deidade. É parte da tradição védica, que foi aceita por dançarinos. Mas os dançarinos tiveram dificuldade em interpretar esses mudras. Então tentaram praticar esses mudras e desenvolver uma linguagem própria. É como o Nātya Śastra registrou esses mudras. É por isso que temos diferentes mudras para dança e para rituais, mas não são muito diferentes. Uma tartaruga, por exemplo, fazemos assim do modo ritualístico, é uma pequena mudança. Os mudras originalmente vieram da tradição dos templos.

Por sermos Ocidentais não conhecemos a tradição indiana, como podemos conhecer essa literatura, pois não temos acesso? Mesmo se fizermos o abhinaya nós não sabemos com profundidade o significado das coisas.

E mesmo os professores indianos, nem todos sabem. O problema é que mesmo os indianos não sabem. A maioria de nós não sabe. Depende do quanto você está praticando e que tipo de pesquisa quer realizar, até onde quer ir. Sim, porque pode ser muito medíocre, porque imagine para os Ocidentais, se nem os indianos sabem. Eu entendo, mas quantos de nós estamos dispostos a fazer essa pesquisa, todos sabemos que os Veda(s) foram traduzidos, quantos de nós se importou de estudar os Veda(s). Muitos deles foram traduzidos. Não podemos reclamar que não há esse tipo de pesquisa. É uma pesquisa muito personalizada, uma abordagem muito individual, você não pode esperar que tudo seja transmitido a você. Eu não aprendi tudo do meu guru. Encontrei em diferentes fontes. Nasci em uma família erudita, tive acesso à literatura, eu sabia sânscrito como parte da tradição familiar, e eu nasci no templo de Jagannath então eu sabia de tudo, mas a parte técnica me foi dada pelo meu guru, o resto das coisas, tive pessoas me alimentando e aí eu tomei interesse pessoal, porque academicamente eu não sou um dançarino qualificado, eu não estudei dança na faculdade, eu estudei como uma pesquisa própria, então é uma abordagem muito individualizada. Nós temos que questionar nossos professores. Quantos de nós questionamos? nós dançarinos indianos costumamos apenas carregar algo que o guru nos ensinou, sem questionar.

Porque não devemos questionar?

Isso não é verdade. Isso é besteira. Como você vai saber se não questionar? Tenho certeza que todos vocês conhecem o Mahabharata, e Dronacharya era guru dos Pandavas. Dronacharya foi questionado: qual foi seu momento mais feliz na vida? e ele respondeu: Meu momento mais feliz na vida é quando meu discípulo me supera. Você não é um discípulo perfeito se não pode desafiar seu guru. Toda essa ideia de não questionar o guru é uma besteira total. Quando na escola você não questiona seus professores? Se seu professor não tira sua duvida, quem o faz? Se você pode questionar seus pais, o guru não está acima de seus pais. Na tradição indiana acreditamos que a mãe é a primeira professora, a primeira guru, e se temos a audácia de questionar nossa mãe podemos questionar qualquer um no mundo. É uma abordagem muito individual.

Qual é o seu conselho para todos os dançarinos no ocidente?

Pergunte para a Silvana, ela deve saber mais que qualquer dançarino de Odissi atualmente, seja muito honesto. Vocês tem uma professora, pergunte para ela. Invista esse tempo, isso é importante. É muito estimulante ver esse tipo de dedicação em vocês a respeito das danças indianas. Eu fico muito feliz. É um processo de aprendizado para mim de melhorar no que faço. É um grande processo de aprendizado para mim também. Eu é que deveria agradecer vocês. Obrigada por aceitar nossa cultura e fazer dela parte da sua, e praticar com essa dedicação que nós também apreciamos. Mais alguma pergunta?

O que é necessário para que um tipo de dança seja considerada uma dança clássica na Índia?

Veja, é uma questão muito política, temos um corpo, o Sangeet Natak Akademi, que é um corpo autônomo do governo da Índia, que verifica uma forma de arte, e então teria um quadro de eruditos que verificaria nas escrituras, fariam uma análise semântica, e então um projeto de lei passa pelo parlamento. Tem de passar pelo parlamento, e o parlamento aceita ou não considerar como uma dança clássica. Mas esse processo é muito longo. Por que quantos de nós somos qualificados? Não somos Bharata, o autor do Nātya Śastra. Então quantos de nós estão qualificados para formar esse quadro? Danças indianas que usam a palavra clássica estão antropologicamente incorretas. É uma palavra errada. O que consideramos formas de dança é Śastra Nṛtya. Śastra significa pertencente aos Śastra ou escrituras. Uma forma que já foi mencionada naquele texto ou nos Śastra se torna um Śastra Nṛtya. Obviamente é Śastra Nṛtya, não formas clássicas de dança.

Por que você acha que uma forma de dança ganharia seu status de clássica tão tarde, em 2003? Foi assim que Sattriya, de Assam, adquiriu o status de clássica. Foi um homem por trás disso. Ele foi o dirigente do Sangīt Natak Akademi, era um músico muito famoso, foi o presidente na época, ele veio de Assam. Então foi um ato político de uma só pessoa que transformou essa dança em clássica. Não tenho nada contra essa forma de dança. É uma forma de dança, mas um estilo original. Mas por haver alguém influente daquela região em particular, ele elevou o status ao de dança clássica.

Foi difícil para o Odissi ganhar esse status de dança clássica?

O odissi foi revivido. As práticas dos templos sempre estiveram lá. Sattriya, ou outras formas de dança como por exemplo, Manipuri, Sattriya e até kathak, não eram parte de nenhuma cultura templária, nasceram muito mais tarde. A prática do kathak começou provavelmente no século XVI, como parte da cultura muçulmana, a cultura das mulheres que se apresentava para entreter o público. Manipuri começou como uma prática nos monastérios, de forma similar aos gotipuas. Sattriya também como um estilo de dança praticado nos monastérios chamados Sattra, monastérios de Vaishnava chamavam-se sattra. Odissi e Bharatanathyam sim eram formas de dança templárias, eram praticados pelas devadasis. Kuchipudi também, Kuchipudi era basicament, parte de um teatro sânscrito. Os únicos estilos existentes eram basicamente Dakshinanatya e Odhra-Magadhi, porque eram parte da cultura dos templos. Os segmentos dos templos eram muito antigos no sudeste da Índia.

Todos falam daquela história da prostituição das devadasis, queria saber se é verdade, o que aconteceu de verdade, porque dizem que os templos ganhavam dinheiro prostituindo as devadasis. E qualquer indiano diz ter esse preconceito contra dançarinas.

O que eu faço no meu quarto não é da conta de ninguém. Só porque alguém é presidente de um país não significa que não faça sexo. Os presidentes não fazem sexo: ridículo. O que aconteceu com Bill Clinton e Monica Lewiski, por exemplo. Essa era sua privacidade, como fazer disso uma declaração nacional. Algo semelhante.

Mas as devadasis não eram obrigadas a fazer sexo para ganhar dinheiro para os templos?

Não, não. Elas eram bancadas pelos templos. Se você faz parte de um templo, você tem de ser espiritualmente inclinada. O Templo não te restringia de se casar.

Então de onde veio toda essa história?

Algumas delas eram verdade. Não vou negar que a prostituição se tornou parte da tradição das devadasis, porque vamos ser práticos, há desejo pelo corpo. Se não tivéssemos essa necessidade física, nós não teríamos nascido com órgãos reprodutivos. Se a Índia não estivesse aberta para o sexo o kama sutra não teria sido escrito. Era uma sociedade bem aberta. Mas o contexto filosófico era: sexo como meio de recriação, não procriação. Mas sempre houve essa necessidade física. Quantos de nós consegue suprimir essa necessidade física? não conseguimos. Sim era bem evidente, não havia mal em ter relações, mas se eram descobertas, perdiam o serviço nos templos. Mas aquilo se tornou uma declaração muito política. Porque eram devadasis não podiam ter contato físico com ninguém. Foi aí que toda essa história de prostituição surgiu. Mas particularmente em Puri, isso não aconteceu, se você fosse pega era apenas banida do templo, mas nunca se tornou uma declaração política como aconteceu no sul. Em Puri a tradição das dançarinas templárias foi morrendo porque as mulheres não queriam mais se dedicar aos templos.

Palestra de Rahul Acharya em 19 de Julho de 2014
Organização e realização: Padma – Arte e Cultura
Apoio: Indian Cultural Centre em SP
Foto: Dárida Faggi

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