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por Sharon Lowen – Dance Without Frontiers

Guru Purnima se tornou para mim um doce e precioso dia em que eu mergulho em memórias dos meus gurus, que já faleceram, e renovo minha dedicação e minha atitude em relação à vida e à arte que eles incorporavam e compartilhavam. Todos que foram afortunados o suficiente para ter um mestre-professor-mentor para transformar suas vidas vão compartilhar deste sentimento.

O conceito desse dia especial de lua cheia é informado pela profunda ressonância do Adi Guru – Adi Yogi Shiva, como o primeiro professor da ciência do Yoga. Respeitar e refletir sobre seu guru, seja um guru de artes, espiritualidade ou qualquer outra disciplina, é uma oportunidade para valorizar o que a partir deles permanece vivo através de você. Esse senso de transmissão dá ainda mais significância ao dia, conforme seus próprios discípulos expressam seu afeto e respeito. Eu fui privilegiada por aprender com os principais gurus em várias tradições de dança, Padmavibhushan Kelucharam Mohapatra em Odissi, Ranjani Maibi, Thangjam Chaoba Singh, Singhajit Singh em Maibi, Kartal e Maniouri Jagoi respectivamente, Krishna Chandra Naik e Kedanath Sahoo em Mayurbhanj e Seraikella Chhau respectivamente.

Nesse Guru Purnima meus pensamentos focaram-se no talvez maior guru de Mayurbhanj Chhau de todos os tempos, Krishna Chandra Naik, em quem sempre penso com a mesma afeição que sinto pelo meu amado avô materno. Vi o Chhau pela primeira vez em 1973 depois que cheguei à Índia para continuar meu treinamento em Manipuri pela bolsa Fullbright. Guru K.C. Naik recebeu o Prêmio Dangeet Natak Akademi em 1975 (como Krishna Chandra Naik) e foi patrocinado para ensinar e coreografar balés para o Bharatiya Kala Kendra em Nova Deli. O que me fez pensar duas vezes antes de começar a aprender não foi nenhuma reserva sobre a forma ou sua dificuldade para mulheres (tendo estudado dança moderna contemporânea e balé por 17 anos) mas sim uma relutância em estudar qualquer outro estilo de dança estando já comprometida com Manipuri. Vi diversos atores estrangeiros extáticos com algumas aulas rudimentares e decidi pelo menos ir para ter um conhecimento introdutório.

Guru K.C. Naik era generoso e sua clareza ao ensinar me inspirou a um comprometimento para toda a vida. Ele vivia e respirava Chhau. Quando recém casado, sua noiva acordou e viu um fantasma pulando pelo quarto e só depois descobriu que aquela figura fantasmagórica era seu marido dançando uma nova sequência que imaginara durante a noite.

Quando Chhau estava ainda sob a clientela do Mayurbanj Maharaja pré-independência, ele se rebelou contra uma punição que o teria deixado de lado por uma temporada e fugiu para Calcutá. Lá, ensinou essa dança baseada em artes marciais para mulheres, bem como para homens e desenvolveu suas habilidades como professor e coreógrafo. Um longo tempo com a Gwalior Little Ballet Troupe produziu uma das performances de palco mais criativas já vistas na Índia pós-Independência.

No festival anual Chaitra Parva, Guruji tinha se especializado em Natraj e Dandi, enquanto também se apresentava em outros duetos e performances em grupo. As manhãs começavam com passos saltados pela areia da praia para desenvolver força física e aeróbica. Os ensaios eram muitas vezes feitos em segredo, já que havia dois times competindo pelos prêmios do Maharaja e novas variações nas coreografias tinham de ser protegidas. Sua criatividade era infinita. Se eu esquecia uma combinação de movimentos de uma aula para a outra, ele criava uma nova ao invés de passar pela esquecida. Isso era uma grande motivação já que falhar em lembrar só piorava o problema para o aluno esquecido!

Guru Naik ficava tão intensamente absorto em ensinar, que em Dezembro de 1981, quando ele interrompeu minha prática porque eu não estava executando um movimento completamente, eu tive de lembrá-lo de que eu estava a poucos dias de dar à luz (minha filha) e realmente não podia arriscar pular alto ou desobedecer a ordens do médico. Ele até insistiu para eu demonstrar novas coreografias aos dançarinos do Bharatiya Kala Kendra para um balé de Chhau vindouro, como seu enfisema o impedia de repetir os movimentos. Apesar de os dançarinos do Kendra serem profissionais, eles nunca frequentaram suas aulas de Chhau e aprender suas coreografias de forma precisa era um desafio logo antes de cada produção ser montada. Enquanto ele estava comicamente esquecido da minha condição de “grávida”, temia ter ficado difícil para os dançarinos do Kendra focarem no movimento!

Com um histórico de tuberculose e enfisema, ele só conseguia descer uma vez por dia de seu apartamento no quarto andar do alojamento da equipe do BKK. Mesmo assim, ele nunca reclamava quando não conseguia acomodação térrea ou no primeiro andar. Ele dançava onde quer que estivesse, sala de aula ou apartamento, e sua graça e seu movimento elegante eram comparáveis aos de meu guru de Odissi, Kelubabu. Seu abhinaya era maravilhoso e profundo.

Enquanto as formas mascaradas de Chhau (Seraikella, Purulia, Dhenkanl) envolvem movimentos de todo o corpo para se expressar, Mayurbhanj Chhau permite ao dançarino transmitir sua expressão física completa também pela face e pelos olhos. O brilho e o poder do bhava de Guru Krishna Chandra Naik me maravilhavam, especialmente quando vejo o quão raramente é visto na nova geração de artistas de chhau. Seu “dândi” expressa toda a calma e antecipação do jovem brahmachari enquanto este embarca em seu novo caminho de aprendizado. Seu Nataraj e Mahadev preenchiam a atmosfera de uma energia irrompendo o poder meditativo.

Os itens lasya ao som das conhecidas e tradicionais músicas populares Odiya me permitiram ver a conexão entre Chhau e a dança Odissi. A postura básica do Chhau, dharan, é a versão tandava do tribangi lasya do Odissi. Ambos têm tripla curva, um pé diagonalmente à frente com uma curva adicional na cintura, entretanto, a mesma posição pode ser a personificação da graça sensual em Odissi e ampliando ligeiramente os ombros e pés transforma-se em uma postura de guerreiro. O lasya de Guruji, a coreografia feminina de chhau exemplificava que a evolução nachni-gotipua-Odissi inclui Chhau no mesmo espectro.

Guruji Naik insistia que eu demonstrasse o que ele havia me ensinado para os gurus seniors do Mayurbhan Chhau no Baripada, Centro de Chhau do Governo de Orissa em 1976 quando ele soube que eu poderia conciliar uma visita com o workshop de verão de Odissi de Kelucharan Mohapatra em Cuttak. Sua intenção era demonstrar que uma mulher podia fazer jus a essa forma previamente masculina. Eu estava preocupada com o fato de que meus erros de novata refletissem nele como professor, mas ele deixou isso de lado e providenciou minha primeira performance solo de Chhau, embora em um terreno irregular de grama e pedregulhos. A reação calorosa dos artistas do Baripada Chhau e da crítica entusiasta da imprensa de Calcuta reforçaram uma ou duas décadas depois, quando um visitante de Baripada perguntou como é que ele estava vendo garotas sendo ensinadas. Responderam: “ uma americana veio aqui anos atrás e percebemos que era possível meninas realmente dançar Chhau e agora nós as incluímos no treinamento no centro.”

Entre as lembranças que estimo está minha última visita com ele Baripada logo antes de ele falecer. Ele estava acamado e só conseguia tomar leite. Apesar de sua fraqueza, era a personificação da ternura e da amorosidade. Ele derramou lágrimas lembrando que seu pedido para eu demonstrar sua técnica em uma palestra-demonstração em Calcutta havia sido negado. Eu certamente não tinha me importado e isso nunca tinha passado pela minha mente, apesar de eu ter sido convidada para apresentar um solo de Chhau no Seraikella Chhau de Guru Kedarnath pelo qual fui mais reconhecida do que pela minha formação principal em Mayurbhanj.

Espero poder compartilhar histórias de outros grandes gurus no futuro. Suas vidas e interações são inspiração e registro histórico de tempos que merecem ser lembrados. Embora eu tivesse formação em dança clássica e moderna nos EUA de muitos gurus e professores maravilhosos, aqui na Índia eu tive praticamente um guru em cada uma das várias tradições. Eu me sinto abençoada por cada um ter compartilhado os mais altos e puros padrões estéticos de sua arte. Eu reconheço minha dívida com eles por transmitir esse conhecimento dentro dos limites da minha capacidade. Eu ofereço meu bhakti pranam por ocasião do Guru Purnima e cada dia com cada respiração.

Sharon Lowen é uma expoente respeitada de Odissi , Manipuri e Mayurbhanj e Seraikella Chau cujas quatro décadas de carreira na Índia foram precedidas por 17 anos de dança moderna e balé nos EUA e um mestrado em Dança pela Universidade de Michigan.

 

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